ao lado das famílias
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Sobre a Finitude

O tempo de luto

4 de março de 2016, por Fátima Almeida (Psicóloga forense - Cédula n.º 12129)
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Depois da morte de alguém (ou algo) a quem nos sentimos (profundamente) vinculados, passamos por um período necessário para a consciencialização da perda – o luto – que é uma resposta (biológica, psicológica e social) esperada a essa perda.

No entanto, não é só a morte que leva a um processo de luto, podendo este ser causado por outro tipo de perdas, nomeadamente:

a perda de uma pessoa amada, em consequência de morte, separação física, separação conjugal ou conduta julgada não ética ou imoral;

a perda de alguém sobre quem se tinha desenvolvido uma grande fantasia de afeto (e.g., um feto abortado, ou um filho que nasceu com deficiência física ou mental);

a perda resultante de um dano efetuado ao amor-próprio (e.g., amputação de um membro, ablação de um seio ou paraplegia como consequência de um acidente);

a perda de posição social (e.g., desqualificação moral ou financeira, desemprego ou despromoção);

a perda de objetos e animais com elevado valor afetivo (e.g., uma joia de família).

Quaisquer que sejam as causas que originem o luto, existe sempre um denominador comum a todas elas: a elevada importância afetiva que atribuímos à perda.

Para compreendermos o luto devemos ter em conta, por isso, que ao longo da nossa vida, nos apegamos aos outros, estabelecemos com eles laços de segurança e vínculos afetivos que se rompem definitivamente aquando da sua perda. A impossibilidade de estar com o outro e de usufruir deste encontro exige uma reelaboração e restruturação desses vínculos, para que a dor e a tristeza experimentadas se vão de alguma forma dissipando ao longo do tempo.

Os afetos estão no centro da nossa vida e são um dos pilares da nossa personalidade. De forma inconsciente, procuramos dá-los e recebê-los e esta troca tem um grande significado para nós. Quando perdemos o alvo do nosso amor, todo o processo de vinculação e todas as emoções em relação ao ente são-nos roubados, porque ele simplesmente desapareceu.

Todo o processo de luto será profundamente desgastante e limitará a nossa disponibilidade mesmo para as tarefas mais rotineiras. O processo que se situa entre a perda e a reabilitação para a vida, ou seja, o trabalho de luto, exige um período de demora: é o chamado tempo de luto.

A sua duração varia de pessoa para pessoa: pode durar meses, anos ou até mesmo toda uma vida. É necessário que todas as tristezas sejam choradas, todas as dores curadas e todos os vínculos reassumidos, para que possamos recuperar a paz de espírito que nos deixará seguir em frente.

O luto é a nossa prova de amor pela pessoa perdida. Não existe a superação da perda sem alguma experiência de luto. Não ser capaz de vivenciá-la é ser incapaz de viver novamente.

Durante um luto normal é vivido um conjunto de sentimentos e emoções e são tidos comportamentos particulares, cujos traços mais marcantes incluem o desânimo penoso, a falta de alento para a vida, o desinteresse completo pelo mundo exterior, a perda da capacidade para amar e a dificuldade no desenvolvimento de atividades do dia-a-dia. A caracterização de um luto normal será o tema da nossa próxima reflexão.

A nossa passagem pela vida

1 de janeiro de 2016, por Fátima Almeida (Psicóloga forense - Cédula n.º 12129)
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Desde o momento da nossa conceção até ao nosso último suspiro, percorre-se todo um caminho que nos define enquanto seres humanos e todos esperamos que seja percorrido num longo período de tempo: queremos aproveitar e saborear cada instante, deixar uma marca da nossa passagem, perpetuar a nossa existência e chegar ao final com a certeza que que vivemos tudo o que tínhamos para viver e fizemos tudo o que tínhamos para fazer. Por isso, enquanto não atingimos os nossos objetivos, caminhamos sempre a tentar afastar os pensamentos sobre a nossa finitude e sobre a finitude das pessoas com quem partilhamos afetos, experiências e laços de sangue.

A morte é, por isso, um tema doloroso, angustiante, um fantasma que nos assombra, assusta e nos provoca um aperto no coração. Por isso, todos nós tentamos ignorar a sua existência e afastá-la do nosso pensamento. Acreditamos que ainda somos novos, que somos saudáveis, que vivemos em segurança e que ainda temos uma longa vida pela frente. E vamos planeando o nosso futuro acreditando na eternidade e que seremos felizes para sempre.

Ou então, alimentamos a esperança de que nos irá bater à porta mais tarde. No entanto, o certo é que a sua chegada pode dar-se a qualquer momento.

A morte atravessa todas as etapas da nossa vida e, desde cedo, devemos preparar-nos para a receber. A evolução dos nossos conhecimentos, inteligência, sabedoria, das emoções e das nossas relações interpessoais condiciona a forma como encaramos a morte o que significa que, ao longo da vida, a nossa postura sobre ela modifica-se.

Enquanto somos bebés, desconhecemos a sua existência. Os bebés sentem a perda, no sentido da ausência temporária da pessoa, mas não distinguem a ausência damorte.

Durante a infância, temos dificuldade em dar-lhe um significado. Até aos dois anos, as crianças sofrem o impacto da perda e sentem falta de quem morreu. No entanto, acham que a pessoa não está mais ali mas que voltará, como outros saem e voltam. Dos cinco aos seis anos, a ideia de morte não é ainda universal, ou seja, não acontece a todos. As crianças têm tendência para personificar a morte e representá-las em figuras como o bicho-papão ou a caveira. Mas a noção de irreversibilidade começa a instalar-se, bem como a ideia de que não pode ser evitada. Nesta fase, há a associação da morte ao sono e à perda de consciência, que gera um grande medo face à separação, à escuridão e ao vazio.

Na adolescência, chegamos a desafiá-la. Apenas na transição da infância para a adolescência, se interioriza a morte como um fenómeno universal, irreversível e comum a todos os seres vivos. As crianças já percebem que a morte envolve a cessação das atividades biológicas e há diminuição do pensamento mágico. São capazes de compreender a ideia de morte, mas atribuem o fim da vida à velhice e à doença. Não é de estranhar por isso que muitos adolescentes tenham comportamentos que podem atentar contra a sua vida: a morte não lhes acontece a eles, logo não há que a temer.

Na idade adulta, tentamos ignorá-la. A noção de que a morte é inevitável e de que chega a todos incomoda-nos e assusta-nos. Mas os papéis que vamos assumindo, pessoal e profissionalmente, relembram-nos que está presente no nosso dia-a-dia. A todo o momento somos confrontados com a perda de pessoas que nos são próximas (avós, pais, tios, vizinhos), da nossa geração (amigos, colegas) e até de pessoas mais novas (bebés, crianças, adolescentes). Podemos viver em sobressalto. Com medo da nossa partida ou da morte dos nossos entes queridos.

Na velhice, aceitamo-la e preparamo-nos para a sua chegada. Porque tudo tem o seu fim. Podemos mesmo tentar organizar a nossa morte: pensamos no testamento, no funeral, no jazigo onde seremos sepultados, nas coisas que queremos fazer antes de partir, nos sonhos que ainda nos faltam concretizar. Este envolvimento é uma demostração da diminuição da ansiedade que vamos sentindo perante a morte.

Mas se a nossa postura perante a nossa própria finitude se vai modificando ao longo da vida, quando perdemos alguém a quem nos sentimos profundamente vinculados, entramos num processo de luto. Este será o tema da nossa próxima reflexão.